quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Pedido de Exoneração do Conselho Universitário



André Luan Nunes Macedo

São João del-Rei, 30 de agosto de 2011



Logo quando entramos na Universidade Federal de São João del-Rei em 2008 encontramos a instituição em um conflituoso momento político, quando das eleições para a reitoria no primeiro semestre. A conjuntura se mostrava conturbada, onde o então vice-reitor insere ainda mais ingredientes para a crise política que se aproximava. As denúncias na carta de exoneração do professor Wlamir Silva, alertando sobre o clientelismo e o bonapartismo do professor Helvécio Luis Reis deram terreno para que o mesmo fosse duramente questionado na comunidade acadêmica, principalmente no histórico debate ocorrido no Campus Dom Bosco.

Foi assim que entendemos o atual cenário, quando escrevemos a respeito do não debate naquela época:



Após uma campanha por todos os campi, o candidato à reitoria teria um grande teste pela frente, a massa crítica e mais “populosa” da UFSJ: o Campus Dom Bosco. O cenário criado pela reitoria mostrava que em tal local os estudantes se mostrariam contrários à unilateralidade na discussão e o não-debate. Dito e feito. O caos gerado por esse “debate” causou mais uma insatisfação em toda a estudantada; infelizmente os estudantes viram seu maior representante perder a cabeça e se unir à política Barão Vermelho ou a manifestação do ´pode vir quente que to fervendo´. Felizmente, vimos o Movimento estudantil reagir à política vigente, como nunca visto antes.[1]



Indignados com aquela situação, na qual a universidade caminhava para o discurso da unilateralidade e da unanimidade, alimentada pelo futuro reitor, vimos a resistência a esse tipo de política antes mesmo que o professor Helvécio assumisse o seu segundo mandato. Diante de toda a conturbação e a possível sinalização de arrogância da professora/ candidata a vice-reitora Valéria Heloísa Kemp durante o debate com a comunidade acadêmica, escrevemos um texto por conta própria, direcionada a mesma, no qual publicamos em diversos murais da universidade e entregamos nas mãos de professores, técnicos e estudantes[2].

A prática da indignação e da revolta estavam diretamente ligados a necessidade de consolidar espaços que fossem verdadeiramente democráticos na instituição. Foi assim que, em meados do segundo semestre de 2008, começamos a participar dos fóruns deliberativos do Diretório Central dos Estudantes da UFSJ (DCE UFSJ) - o Conselho de Entidades de Base (CEB) - e do Centro Acadêmico de nosso curso, o CAHIS (História).

Ao longo desses quase quatro anos de participação no movimento estudantil, o DCE nos deu condições para refletir sobre a seguinte questão: o que é democracia? O movimento estudantil nacional, aparelhado pelos inúmeros partidos políticos, consegue garantir instâncias de participação eficaz dos estudantes que não queiram se curvar às suas siglas? Indo mais além, o DCE UFSJ, a partir do momento que quebra com o paradigma liberal da democracia, permite uma reflexão ainda maior: vivemos num país democrático? Afinal de contas, eleger representantes e dar condições aos mesmos que exerçam seu poder sem instrumentos de controle oferece garantias para que nosso povo possa consolidar sua soberania?

Vinte anos de democracia liberal em nossa pátria e vemos que a corrupção ainda se mantém. Logo em 1991 o povo destituiu seu presidente, Fernando Collor, por crimes de abuso do poder. Atualmente, ao contrário do que quer vender politicamente o atual governo, nosso país, mesmo com as políticas assistencialistas, ainda tem a maior concentração de renda. Nossa dependência agroexportadora não se rompeu. Ainda somos servos das nações chamadas “centrais” quanto a produção de Ciência e Tecnologia.

A distinção entre aqueles que governam e os governados aumentam cada vez mais com o tempo. “Política” e “poder” possuem significados no senso comum que caminham num sentido contrário ao protagonismo do povo nas decisões políticas. Infelizmente, nossas elites políticas, amparadas pela democracia liberal, estão muito bem com essa aparente naturalidade impermeável. A naturalização da política, entendida aqui como o lócus de organização do social nada mais é, nas palavras do historiador Eric Hobsbawm, que “a derrota da sociedade”. Nosso status de país colonizado ainda prevalece nas entranhas da esfera pública e no cenário internacional.

O povo vê que nada mudou substancialmente nesses últimos vinte anos. Somos grandes analfabetos que sentimos orgulho de não devermos nada para os grandes oligopólios, como o FMI e o Banco Mundial. Ao invés de realizarmos uma análise histórica sobre a dívida externa, exigindo o seu não pagamento, enchemos os cofres dos bancos internacionais em nome de uma pretensa “governabilidade”, que nada mais é do que o não enfrentamento com o capital estrangeiro, principal usurpador das riquezas da nação.

Durante quatro anos, com o DCE UFSJ, fomos alimentados pela esperança da transformação radical da natureza orgânica dos espaços de atuação do movimento estudantil e da sociedade. Repensar formas de organização política, para além da simples representatividade, inserindo o povo como protagonista das decisões políticas, constitui-se como a estratégia social capaz de mudar os rumos da nação. Basta olhar a história do Brasil contemporâneo e veremos que nos momentos de maior pressão para as efetivas transformações, o povo estava organizado nas ruas, exigindo uma “nova democracia”. Assim foi no período de 1961 a 1964, com João Goulart. Quando imbuídos de sua consciência, diversos setores da sociedade (movimentos sociais, parlamentares, sindicatos, etc.) organizaram um bloco histórico exigindo uma Assembléia Constituinte em 1963 e, principalmente, as chamadas Reformas de Base. Somente com um golpe civil-militar em 1964 que os setores conservadores foram capazes de torturar e aniquilar os sonhos de toda uma geração para a libertação de nosso país da dependência e do entreguismo ao capital estrangeiro.

Foi com esse espírito que realizamos diversas lutas e exigimos uma nova práxis para a condução da universidade. Assim lutamos pelas melhorias de condições da assistência estudantil, quando ocupamos a reitoria em 2008. Auxiliamos na greve dos estudantes de Medicina e Enfermagem em Divinópolis no mesmo ano. Pressionados por professores que o ameaçavam constantemente, enfrentaram uma luta encarniçada para conseguir as condições básicas para o andamento dos seus cursos.

Estivemos sempre dispostos a lutar contra a política da “moeda de troca” do “toma lá da cá”, dos telefones coercitivos para os representantes dos conselhos superiores antes das reuniões[3]. Todas essas práticas configurariam a visão clientelista-autoritária da reitoria, que sempre quando tentou utilizar-se de tais artimanhas para cooptar o DCE, encontrava-se barreada pelo poder dos Centros Acadêmicos. Foi assim em 2010, quando o reitor tentou ligar para os delegados do Conselho de Entidades de Base , expondo sua visão sobre quem era o candidato “amigo” e o candidato “inimigo” da reitoria. A política adotada pela atual administração exigiu uma reflexão na época sobre essa concepção esdrúxula, divisionista e maniqueísta, no qual prevalecem os interesses privados da administração em detrimento do debate público, da independência e da autonomia do movimento estudantil.

Bastasse isso, agora a administração da universidade, impossibilitada de exercer suas estratégias de ação para “convencer” os representantes do DCE UFSJ, tentou retirar da entidade, ou seja, do poder dos Centros Acadêmicos, a possibilidade de eleger os representantes para os Conselhos Superiores via Conselho de Entidades de Base. O primeiro semestre de 2011 representou mais uma triste página desses quatro longos anos de calvário em nossa universidade, no qual o termo “crítica” foi sempre entendido como “protelamento” e “debate” como algo desnecessário.

O ano de 2011 também representa um período de reflexão e amadurecimento para que, aqueles insatisfeitos com as intervenções e as práticas coercitivas da atual administração, discutam para 2012 um novo projeto de universidade. Nesse sentido, diante desse quadro político, vemos que nossa representação no CONSU precisa ser substituída por novos representantes, preservando a identidade e a autonomia do poder dos Centros Acadêmicos. Nossa representação tem sido utilizada como arma pelos adversários políticos. Nossa retirada é a única alternativa para que as novelinhas e as falsas polêmicas caiam por terra.

Fazemos um alerta a toda a comunidade acadêmica, principalmente o movimento estudantil: com o fim deste ciclo, é chegada a hora de elegermos novos representantes, tanto da Sede quanto dos campi avançado, por meio das suas instâncias legítimas de representação. Não podemos deixar que a administração da universidade diga qual será a nota da música para essas eleições. O que é do movimento estudantil e de suas entidades devem ser decididos por eles próprios!

Diante do exposto, e cumprindo o compromisso que assumimos no dia 25 de abril de 2011 na reunião do Conselho Universitário, exoneramos nosso cargo de Conselheiro Universitário. Outras trincheiras da luta política necessitam de nossos humildes esforços que estão por vir em 2012. Esperamos que a experiência vivida da tempestade consiga construir um horizonte de bonança, recheados com o espírito crítico – motor da vida universitária - tão atrofiado nos últimos tempos em nossa Universidade.

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[1] Texto intitulado “A todos os estudantes da UFSJ” de nossa autoria no dia 08/09/08

[2] Carta intitulada “à professora e candidata à Vice-reitoria, Valéria Kemp” em março de 2008.

[3] Para maiores informações sobre o clientelismo na UFSJ, ver MACEDO, André Luan N. & COSTA, Mauro. A política universitária: DEBATE. São João del-Rei,2010: Estudos Vermelhos.

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