sexta-feira, 20 de maio de 2011

Lições da luta


Filipe Rodrigues


Há registros de pensamentos que nos serve como síntese de idéias que até então costumam se mostrar dispersas ou conflitantes; surgem como associações de experiências, o que transforma nossa percepção. Caso contrário, seríamos a-históricos, entenderíamos somente do que fosse visto com nossos próprios olhos. São exemplos oportunos, primeiro, do livro “O conhecimento da arte da guerra”, onde se diz que “superar os inteligentes pela insensatez é contrário à ordem natural das coisas. Superar os insensatos por meio da inteligência está de acordo com a ordem natural das coisas. Entretanto, superar os inteligentes por meio da inteligência é uma questão de oportunidade.” Além da mais objetiva para este escrito sobre como o importante na vida não é necessariamente ser forte, mas sentir-se forte para se avaliar ao menos uma vez. É preciso saber usar a inteligência para aproveitar as oportunidades e alinhar os próximos passos para alcançar as vitórias desejadas.



Em se tratando de nossa realidade, os acontecimentos dos últimos meses despertaram a oportunidade de aprendermos, no mínimo, uma lição fundamental: determinada estrutura social condiciona práticas, isto joga por terra a noção de não-sujeito histórico: ser individual independente; Contudo, a mais importante é que as práticas são feitas por nós, sujeitos coletivos que se relacionam, organizados em cooperação, isto gera determinada cultura política, visão da vida (concepção), que, se acreditarmos o suficiente, estará retratada em nossa prática, em nossa postura, a todos os momentos. Ao fazer críticas, nos cabe construir a solução ou não seremos o aperfeiçoamento do criticado. Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido, trabalha neste aspecto, através de uma distinção fundamental:



“Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, (...) buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la (...)



O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’ o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram ‘hospedeiros do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. (...) Quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, tendem a ser opressores também ou subopressores. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se ‘formam’. (...) Daí esta quase aberração: um dos pólos da contradição pretendendo não a libertação, mas a identificação com seu contrário.”



É preciso partir de nossas próprias possibilidades para sermos nós mesmos. O erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou de autocrítica. O trabalho no movimento estudantil, tal qual dos vários movimentos sociais, adquire relevância na medida em que, em nossos conselhos, buscamos a constante superação da sectarização do ensino, das dimensões da vida, compartilhando cultura, com possibilidade de formar seres humanos experimentados e conhecedores de variadas facetas da sociedade, que está mais próximo do “todo social” e de transformar suas partes. No primeiro caso, trata-se da diferença entre fazer um curso e estar na universidade, no exercício de “fazer parte” dela.



Para o movimento estudantil, as vitórias, se medirão não pelo número de cadeiras num conselho superior, mas fundamentalmente pela evolução que haverá na formação da consciência e organização. O dizer: DCE somos todos nós; deve se referir, na prática, a cada um de nós fazer parte, não se refere – como não poderia - a um coletivo que se move em torno de indivíduos; seja na condução ou negação de interesses e visões de mundo internos ou externos.


I. Adaptação de: Lições da Luta pela Terra (Ademar Bogo)



A organização que luta, segue princípios e pretende desenvolver valores morais, tende a permanecer e solidificar-se como alternativa para outras questões sociais. Não basta transformar a estrutura social, precisamos transformar a conduta e os hábitos errados que temos desenvolvido em nossa existência por influência da convivência social desorientada. O desenvolvimento de valores como solidariedade, companheirismo, o trabalho, o estudo, a preservação devem ser forjados cotidianamente, aperfeiçoados e aplicados. As organizações que tem princípios e incentiva à prática contribui no resgate da dignidade do ser humano como sujeito histórico que carrega nos seus e outros ombros uma nova proposta de construção da humanidade. As lutas meramente espontâneas deixam de cumprir com esta tarefa histórica e favorecem os inimigos da causa, que procurarão sempre agarrar-se às deficiências particulares para generalizar as críticas e difamações.



Esta organização deve ser dinâmica e compreensível, deve ter unidade interna e se orientar pelos objetivos coletivamente estabelecidos. Para isso é que precisa haver distribuição de poder, praticar a direção coletiva e priorizar a multiplicação de lideranças. Os inimigos sempre procuram “personificar” as organizações atribuindo as vitórias a uma pessoa, ficando atento às falhas e defeitos desta, para assim, no momento oportuno, tirar a força que a organização tem através da desmoralização.



Sendo assim, as mudanças ocorridas apontam para se fortalecer as estruturas orgânicas a partir da realidade e das necessidades políticas que vão se apresentando, e não apenas através de definições teóricas. Podemos dizer que o movimento de massas, ao fazer luta se faz a si próprio, e através dos aspectos cotidianos cria a própria identidade e a própria ciência política organizativa.



As instâncias devem ser bem constituídas, os setores qualificados e os núcleos de base (C.A’s / coletivos de executivas de curso, outros coletivos) bem estruturados, com distribuição de tarefas e consistência ideológica alcançada através da formação da consciência dos estudantes. A organização como instrumento é fundamental, mas deve ser entendida como meio e não como fim, isto porque, da organização não fazem parte todos os interessados que existem na sociedade.



Ademais, é importante praticar ações e divulgá-las para que se tenha apoio e se evite o isolamento político, contudo deve se pautar as ações pelos objetivos da organização e não por consulta de popularidade na opinião pública, claro, sem deixar de tomar esta em conta.



Na medida em que movimentos que possuem linhas políticas e métodos corretos começam ganhar força, o Estado procura através de suas políticas estabelecer bloqueios, seja através de políticas que visem cooptar organizações e lideranças, ou através de mecanismos de repressão para desmoralizar movimentos sérios. Um artifício muito usado é a política de criminalização, que visa não destruir repentinamente os movimentos, mas difamá-los perante a sociedade. Buscam passar a imagem, inserir uma interpretação desta, uma atitude ou uma ação que o espectador ao ver aquela imagem “jamais faria”, certamente se revoltará e se colocará contra o Movimento, retirando seu apoio e baixando a popularidade e força que esta organização tem. Como os movimentos sociais não possuem formas de chegar a cada uma dessas pessoas e desfazer o mal-entendido, tal imagem passa a ser verdade, e, com isso, a repressão irá tendo vitórias. Portanto, é fundamental que não se cometam falhas que possam servir de elementos de difamação contra os movimentos.



No movimento a sigla organizativa e as pautas do movimento devem estar acima do nome de suas lideranças. Um movimento de massas deve ter uma infinidade de lideranças, para que a dinamicidade do movimento impeça que alguém queira se apropriar dele e substituí-lo pela capacidade de liderança que possui. Eis porque é importante aplicar o princípio da direção coletiva.



Precisamos ter cada vez mais claro que insistir nas relações políticas e organizativas já saturadas é orientar-se pelas características do passado, sem perceber os desafios que se apresentam no presente. Somente serão vitoriosos aqueles [movimentos] que souberem interpretar as novas circunstâncias e condições que a história apresenta. (...) Isto somente poderá ser feito pela participação da coletividade organizada em torno de interesses da maioria. As pessoas passam, mas os objetivos permanecem. Os interesses individuais sempre devem estar subordinados aos interesses e objetivos coletivos, que devem ser claros a toda organização.



Devemos combater o espontaneísmo, que corroe trabalhos sérios e fecha caminhos necessários. O líder de uma organização nada mais é do que um coordenador de esforços para se alcançarem metas e objetivos que favoreçam esta mesma coletividade. Utilizar-se deste esforço, para satisfazer caprichos e interesses particulares, é um verdadeiro atentado contra a busca de dignidade dos seres humanos.



Por estas e outras razões é que os movimentos precisam atuar conscientemente, imprimindo maior qualidade às instâncias e à organização. Torna-se cada vez mais importante organizar os centros acadêmicos e coletivos (de executivas de curso ou não), com planos de eventos, calendários de reuniões, espaços de formação, atividades externas. Isto parece, à primeira vista, ser muito fácil de se conseguir, mas não é. Haja vista que a solução não é técnica e nem tampouco burocrática; exige muito estudo, paciência e experiência histórica. A tarefa é aprender, mas aprender fazendo.

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